Em marketing e comunicação, a segmentação é um passo incontornável. O estudo do mercado, o targeting, o público, o segmento… são termos utilizados para, no fundo, descrever as pessoas a quem vamos procurar entregar uma mensagem, uma ideia, um serviço ou um produto.
As pessoas são um objeto de estudo importantíssimo para cumprir os objetivos de uma ação: notoriedade, conversão… E a palavra “objeto” tem sido adequada, porque noções como human centered design, como a experiência humana como foco central, e o entendimento do público e do mercado como pessoas verdadeiras são relativamente recentes.
A maneira como nos percepcionamos enquanto utilizadores está a mudar.
Quando utilizamos uma máquina de lavar roupa e não compreendemos qual dos retângulos leva o amaciador e qual leva o detergente em pó… geralmente, assumimos que o problema é nosso, que não estamos aptos para utilizar a máquina. No entanto, a máquina é que não está apta para ser utilizada por um humano — não está bem desenhada, ou não assinala devidamente como deve ser usada.
Da mesma forma, o modo como os computadores, máquinas, anúncios, sinopses de livros, cartazes em aeroportos… Enfim, o modo como tudo o que utiliza linguagem, bem, utiliza linguagem… está a mudar.
O tom de voz em nosso redor está a deixar de ser — ou deve deixar de ser — robótico, impessoal, desumano. Isto tem benefícios, como mais cooperação por parte do utilizador, e a sua experiência de sucesso. O utilizador soube o que fazer, percebeu quando fez um erro e que erro, sabe porque a sua aplicação não carregou e sabe o que tem de fazer, sabe onde se deve dirigir para ter ajuda, sabe onde inserir uma nota, uma moeda, e onde retirar um talão, e é agradecido pela sua paciência. Que utopia idílica!
As nossas interações com o meio podem ser mais positivas com base na linguagem.
A linguagem assume diferentes formas, ou enunciados: oral, textual, cores, ícones, luzes, mímica…
A abordagem do design centrado no humano traz consigo um estudo profundo das pessoas e pode criar experiências mais inclusivas em vários meios e contextos. Portanto, trata-se de uma abordagem não necessariamente individualista, mas sim abrangente. Por exemplo, começa a ser encarada como crucial a disponibilização de meios alternativos para interações diferenciadas: sintetizadores de voz para limitações visuais, legendas para limitações auditivas, etc.
A diversidade de opções disponíveis é também um resultado de inovações recentes, como a possibilidade de escolha entre, num supermercado, uma caixa automática ou uma caixa gerida por uma pessoa — ou, no McDonald’s, fazer um pedido por via digital ou por atendimento humano. A escolha varia consoante humano, a sua personalidade, o dia que está a levar de momento, ou a quantidade de artigos que pretende adquirir. A escolha existe.
Então, afinal, onde entra o desafio da neutralidade de género em português?
Percebemos que uma experiência abrangente e inclusiva é uma experiência positiva, o que se reflete em múltiplos benefícios e uma relação win-win. Isto pode recair parcial ou unicamente sobre linguagem.
A linguagem inclusiva ou exclusiva tem vindo a ser utilizada todos os dias no marketing e na comunicação.
Num anúncio de giletes para depilação feminina, podemos escutar frases como “Fica pronta em 5 minutos para saíres com as tuas amigas”. Este produto está a ser vendido a mulheres, percebemos pelo uso do feminino e pelo contexto social.
Mas, por exemplo, num anúncio sobre água engarrafada… bem, toda a gente bebe água. Estamos a tentar vender a todos os humanos esta água. Como é que vamos falar com eles?
“Caros humanos”… Esperem, assim estamos a excluir o público feminino, não? Estes nomes e adjetivos estão conjugados no masculino. Então, “caras humanas”… Mas, assim, estamos a excluir o público masculino.
A regra do português é que é utilizado o género gramatical masculino para denominar um grupo de pessoas que contenham pelo menos um humano do sexo masculino. Se nos depararmos com um grupo de três raparigas e um rapaz, é gramaticalmente correto que utilizemos um termo masculino, como “alunos” e não “alunas”.
É assim que a língua portuguesa é. Não oferece grandes possibilidades de neutralidade de género.
O objetivo da neutralidade de género no copywriting é a inclusão. Antes que esta palavra desencoraje, a inclusão pode significar conversão e negócio. Tudo depende do estudo dos segmentos.
É necessária uma comunicação neutra para podermos vender água a toda a gente. Ou para que toda a gente se sinta envolvida com o telejornal e continue a consumir notícias.
Noutros casos, a neutralidade de género na comunicação pode atrair novos segmentos.
No caso das giletes femininas, imaginemos que pode estar fora do radar um lucrativo segmento de homens nadadores olímpicos que utiliza as giletes porque são muito mais suaves e fáceis de utilizar. Mas eles não as vão recomendar aos amigos nadadores, porque, enfim, são giletes para mulheres.
E no caso do futebol? Originalmente orientado a um segmento masculino, a indústria futebolística apercebeu-se de que o segmento feminino não só existia… como era extremamente rentável.
Se estiver a pensar que isso não importa assim tanto, acredite que somos seres muito mais influenciáveis do que pensamos — graças, nomeadamente, ao nosso subconsciente.
Não se esqueça de que a comunicação é uma forma de persuasão.
A maioria das línguas originárias do latim tem este problema, porque não dispõem de uma flexão neutra.
O género neutro, no ocidente, existe maioritariamente em línguas germânicas como o alemão, o inglês e o islandês. Na língua sueca, por exemplo, existem dois género gramaticais: o comum (utrum) e o neutro (neutrum), mas existem também pronomes masculinos e femininos para pessoas. Deve ser muito mais fácil vender água engarrafada aos suecos… se eles não estivessem no top 10 de nações com melhor performance ecológica há uma década, talvez.
Em inglês, é fácil referirmo-nos a alguém cujo género não conhecemos ou não queremos especificar. Tal proeza é alcançada através do pronome “they”. Se me fizer uma pergunta sobre o meu médico ou médica, pois não sabe qual deles é e não importa especificar, pode utilizar “they”. And your doctor, are they nice? Está subentendido que se trata de uma única pessoa, apesar de se tratar de um pronome do plural.
Em português, teria de incluir mais palavras. O teu médico ou médica é simpático ou simpática?
Ainda assim, o inglês tem os seus próprios desafios. “Fireman” passou a “firefighter”, “policeman” passou a “police officer”, e “spokesman” passou a “spokesperson“.
Existem maneiras de evitar especificações e, logo limitações. Da mesma maneira que, por vezes, não sabemos se devemos tratar alguém por “tu” ou “você” (dava jeito um neutro aqui, não é?), podemos nunca utilizar uma referência direta.
— Olá, tudo bem com a tua família?
— Sim, está tudo bem. E com… a… (A tua? A vossa? Oh não!). E lá por casa, também?
— Como foi o teu dia?
— Passou-se. E o… (Teu? Seu?). E por aqui, correu bem?
Estes atalhos fazem parte da linguística e são mesmo objetos de estudo.
Seja qual for a opinião de cada um, muitos copywriters portugueses passam uma grande quantidade de tempo a arrancar cabelos e a pensar em como contornar a questão para poderem comunicar com gregos e troianos. Ao fim do dia, há que utilizar as regras gramaticais em vigor, mesmo que estraguem o efeito pretendido.
Talvez o trabalho seja ainda mais difícil para UX writers, ou escritores focados na experiência de usabilidade, pois devem estar intimamente ligados ao frágil equilíbrio da experiência humana. O termo errado ou o tom errado podem resultar na desistência do utilizador, como se se desmoronasse um castelo de cartas.
No entanto, as línguas evoluem quando são faladas. Talvez no futuro, por necessidade, surjam mais soluções para a linguagem neutra do ponto de vista humano, mas, até lá, aqui estão algumas maneiras de contornar o assunto.
Dicas para escrever com linguagem neutra de género:
- Utilize o imperativo, fale diretamente com as pessoas. Vai evitar utilizar pronomes pessoais. Exemplo: “O seu seguro vai expirar?” ou “Já pensou em abrir uma conta poupança?”;
- Será mais fácil se evitar estereótipos. Não utilize automaticamente pronomes femininos quando se fala de dietas, nem masculinos quando se fala de ferramentas — a menos que seja esse o seu objetivo;
- Só mais dois caracteres podem fazer a diferença, “/a”. Quando anuncia uma vaga, escreva “Procura-se operador/a…”;
- Utilize menos artigos se a sintaxe o permitir. Exemplo: “Testemunhas viram…”, em vez de “As testemunhas viram…”;
- Procure outras formas de denominar o utilizador. “O leitor” pode ser “Quem lê”;
- Fale do grupo e não dos membros deste grupo. Por exemplo, “os diretores” podem ser “a direção”.
Boa sorte na criação de mais empatia com os utilizadores tanto no meio online como offline através destas técnicas de copywriting e UX writing.
Necessita de um website ou de um portal de online acessível? Tem questões sobre a experiência de utilizador e como pode fazer a diferença entre os seus clientes?
Fale com a mbooster e saiba mais sobre como podemos ajudar, recebendo uma apresentação ou simplesmente preenchendo um pedido de contacto.
Imagem de capa: Thomas Franke